×

Ce site est un chantier à ciel ouvert habité par les éditeurs, lecteurs, auteurs, techniciens, designers de Sens public. Il s'agence et s'aménage au fil de l'eau. Explorez et prenez vos marques (mode d'emploi ici) !

Carta dos povos da floresta à sociedade não indígena em tempos de pandemia e violências

Resistir em tempos pandêmicos

Informations
  • Résumé
  • Mots-clés (19)
      • Mot-clésFR Éditeur 53 articles 3 dossiers,  
        53 articles 3 dossiers,  
        Mot-clésPT Auteur 2 articles
        2 articles
        Mot-clésFR Éditeur 96 articles 3 dossiers,  
        96 articles 3 dossiers,  
        Mot-clésEN Auteur 4 articles
        4 articles
        Mot-clésFR Éditeur 39 articles 2 dossiers,  
        39 articles 2 dossiers,  
        Mot-clésEN Auteur 8 articles
        8 articles
        Mot-clésFR Auteur 8 articles
        8 articles
        Mot-clésEN Auteur 20 articles
        20 articles
        Mot-clésEN Auteur 2 articles
        2 articles
        Mot-clésFR Auteur 2 articles
        2 articles
        Mot-clésPT Auteur 6 articles
        6 articles
        Mot-clésFR Auteur 20 articles
        20 articles
        Mot-clésFR Éditeur 485 articles 14 dossiers,  
        485 articles 14 dossiers,  
        Mot-clésPT Auteur 20 articles
        20 articles
        Mot-clésFR Auteur 3 articles
        3 articles
        Mot-clésEN Auteur 3 articles
        3 articles
        Mot-clésPT Auteur 2 articles
        2 articles
        Mot-clésPT Auteur 4 articles
        4 articles
        Mot-clésFR Auteur 4 articles
        4 articles
      Texte
      “Aldeia”. Foto: Márcia Wayna Kambeba
      “Aldeia”. Foto: Márcia Wayna Kambeba

      Estávamos vivos
      Seguindo a missão
      Descansando das guerras
      Caminhando devagar
      Resistindo com paciência
      Povos e natureza, enlace milenar.

      Corridas de toras,
      Ritual de iniciação
      Ensinos da natureza
      Sabedoria de um ancião.

      Flechas de taquara
      Apontam para um caminho sem fim
      Séculos de violências
      Tenho pena do meu curumim.

      “Menino Kambeba”. Foto: Márcia Wayna Kambeba
      “Menino Kambeba”. Foto: Márcia Wayna Kambeba

      Terras invadidas
      Pela força e a ambição
      Cegaram o homem de tal forma
      Que ele não vê mais a cor
      Nem a beleza da rosa
      Sua vista é treinada para ver
      Poder, ganância e dinheiro
      Que geram fome, violência e desamor.

      É tudo se transformando
      Madeira virando dólar
      Trator abrindo clareira
      Liberação de garimpo ilegal
      Gerando lucro, grana, no Brasil é real
      Poluindo rios, lagos,
      Envenenando cachoeiras.

      Intimidação aos caciques
      Morte de guerreiros
      Estupros repetindo a invasão
      Racismo ambiental
      Trazem doença e vícios, ataque total.

      Vivemos uma era do medo
      De incertezas, desrespeito e confusão
      Nossas aldeias estão vulneráveis
      Novamente nossas flechas não combatem
      A velocidade da munição.

      E veio o ano de 2020
      Uma pandemia tivemos que enfrentar
      As aldeias não conseguiram evitar
      Que a doença entrasse matando sem parar.

      Muitos ajudaram
      Outros cruzavam os braços
      E de longe viam a cena passar.
      “Terra para “índio”?
      Nem um palmo vou liberar”
      Frases de efeito pairam pelo ar.

      Reduzidos mais uma vez
      Nossos guardiões se foram de nós
      Ficamos órfãos, lutos intermináveis
      Rostos tristes, marcas de dor
      Decorrente de genocídio, desamor.

      O pajé com seu ritual
      Pediu a cura para todo mal
      Muitos com as ervas sarou ;
      Outros, seus espíritos com um ritual encaminhou
      Ao mundo ancestral.

      Vi a aldeia virar um lamaçal
      Pela devastação da garimpagem
      Rios secos sem peixes
      E eis que somos chamados de “selvagens”
      Justo a nós que usamos da coragem
      Para enfrentar os homens da grilagem.

      Não permita Seneru
      Que destruam a nossa floresta
      Somos uma só ciência
      Esse verde é o que ainda nos resta
      Para respirar um ar mais puro
      Combater o aquecimento global

      Evite que as geleiras se derretam
      Causando um grave impacto ambiental
      Deixando nossas aldeias sem roça
      Inundando nossas casas e terreiros
      Proteja nossa biodiversidade
      De seres violentos, forasteiros.

      Quero ver meu curumim
      Crescer em boa condição
      Sentir o frio da mata
      Nadar e beber água sem poluição
      Mesmo sabendo que o nó que não desata
      Vai ser dele um legado
      E que ele terá de buscar novas estratégias
      Para continuar defendendo a nação.

      “Menino Kambeba”. Foto: Márcia Wayna Kambeba
      “Menino Kambeba”. Foto: Márcia Wayna Kambeba

      Por aqui continuaremos marcando nossa história
      Nossa caminhada segue entre perdas e glórias
      Obedecendo ao ritmo das águas,
      A subida e a descida das marés,
      A clareira na mata escura,
      O canto da saracura,
      A pegada da onça, a força dos pajés.

      Estamos no século XXI
      Precisamos fortalecer a fé
      Em tempos de pandemia
      União é sentir a dor do outro
      O olhar perdido da criança
      A dor do parto de uma mulher.

      Terra Mãe!
      Viver é pensar com equilíbrio
      É ter pertencimento com o lugar
      É sair da alienação
      E ver que a natureza é um sujeito a ecoar.
      Respeito, direito!
      Vem! Protege o teu lar.

      Na aldeia desde pequenos aprendemos
      Que nossa vida está intrínseca a natureza
      E um depende do outro,
      Nós mais dela do que ela de nós.

      Porque nessa relação
      O homem tem causado danos irreversíveis ao ambiente
      Enquanto que dele recebemos cuidado e proteção,
      Sombra e alimento, cobertura do tapiri
      Colo materno, acalanto já senti.
      Vivemos a geração do consumismo
      E o mundo caminha para o abismo
      Da desgraça e destruição
      Bancos de sementes se esvaziando
      E a madeira cada dia tombando
      Desaparecendo do cenário
      No lugar prédios luxuosos exibem seus letreiros
      Mexendo com o imaginário.

      Quem tem quer mais
      Nunca está saciado
      Isso empobrece o banco da natureza
      Que nunca fica cheio
      Está sempre esvaziado
      Não multiplica, não há tempo para abastecer
      Porque a todo instante é saqueado
      E não damos à deusa verde
      Tempo para se restabelecer

      Temos a ideia de que “a Amazônia é infinita”
      “Inferno verde”,
      Nela todo mundo habita.
      Engana-se quem pensa assim
      Amazônia é finita.

      Onde está o direito de viver da biodiversidade?
      Cansada, maltratada pelo mundo que a destrói

      Corpo de mulher, alma feminina
      Árvore purua, árvore menina.

      Digo Não! Ao estupro da natureza
      Por todos que abusam na certeza
      De saciar sua vaidade, consumo exagerado
      Onde poucos têm muito e muitos têm pouco
      Enquanto não se criar pertencimento com o lugar
      O país seguirá atrapalhado, atrasado,
      Virando terra do rei do gado.
      E os povos da floresta continuam a viver
      Sem sossego, no medo, grilado.

      “Aldeia”. Foto: Márcia Wayna Kambeba
      “Aldeia”. Foto: Márcia Wayna Kambeba

      Os povos originários desde antes do contato têm buscado essa interação com a natureza procurando dar a ela cuidados essenciais para continuar fértil e próspera. Por anos nossos ancestrais faziam o que hoje se chama de compostagem: eles acumulavam cascas de alimentos, ossos de animais etc., o tempo se encarregava de trabalhar tudo aquilo e em seguida esse solo estaria bem adubado com um PH 6 equilibrado e propício para o plantio de árvores frutíferas. A esse solo mais tarde os pesquisadores deram o nome de “terra preta de índio”. Encontramos esse solo em muitas aldeias e nos arredores de sítios arqueológicos. Tudo isso é uma forma de mostrar como os povos indígenas buscavam maneiras de não agredir a TERRA MÃE, e sim usavam de estratégias para criar uma relação de cooperatividade, pois entendiam que cuidar da natureza é cuidar de si.

      Nesse tempo pandêmico, as marcas da Covid-19 estão por todos os lados, e cada pessoa tem um relato para contar de medo, dor e luto. Temos situações em que mulheres que perderem filhos e que maridos acabaram adquirindo depressão. Parte dos sobreviventes da Covid-19 ficaram com sequelas da doença e alguns se recuperam, outros não. Há casos de indígenas que tomaram as 2 doses e mesmo assim adquiriram a doença e vieram a óbito. Tantas são as mazelas que nos afligiram nesses tempos.

      Muitos foram os governantes que passaram pela Presidência da República, mas hoje enfrentamos um que a todo momento nos convida a um enfrentamento por conta das tantas maldades com as quais temos convivido. Por exemplo, nós combatemos a não demarcação de nossos territórios e a ausência de políticas públicas voltadas aos povos que vivem na aldeia e na cidade em relação à educação, à saúde e à moradia. Há falta de entendimento, de respeito e de simpatia.

      A ideia de progresso tem mudado drasticamente a paisagem das aldeias e de seu entorno. Nosso alerta está sempre ligado para detectar pontos de desmatamento, de retirada de madeira ilegal, etc. Para essa tarefa, algumas aldeias contam com a ajuda da tecnologia em relação a aparelhos que possam apontar com maior rapidez e precisão essa informação, como é o caso do uso de drone, GPS e câmera filmadora e fotográfica para registro e obtenção de provas para denúncias. Viver hoje está difícil, mas não é impossível; resistir é preciso para deixar um legado para novas gerações. O genocídio não acabou, a violência não se dissipou, o contato a paz nos tirou, mas nos mostrou novas possibilidade de viver, século após século, nossa cultura no território do sagrado. Queremos e sonhamos com um amanhã em que rios estejam limpos de mercúrio e o solo não tenha cavas enormes causadas por extração de minério em terras indígenas. Queremos mogno, angelim, violeta e tantas outras árvores sagradas em pé, dando confiança de que teremos um ar puro para sobreviver. Desejamos sentir o cheiro de peixe no rio e vê-los pular na canoa saudando nossa presença. Precisamos saber que amanhã a natureza não será lembrança em um porta-retratos, mas que estará viva e presente para ser sentida por outras pessoas que hoje são crianças. É por essa riqueza que lutamos todos os dias.

      E pedimos apoio de todos, independente se vivem no Brasil ou exterior. A alteração climática atinge a todos, do rico ao pobre, do pequeno ao grande. É preciso rever conceitos e descontruir velhos hábitos para adquirir outros melhores. Adote uma árvore, um rio ou um jardim e cuide dele com carinho. Valorize o canto do passarinho, seu vôo e seu ninho. Acompanhe de pertinho o presente que a vida nos dá. Viver é dádiva, mas precisamos saber cuidar da herança que temos com equilíbrio e sabedoria.

      Márcia Wayna Kambeba
      Ativista da etnia Omágua-Kambeba, nascida numa aldeia ticuna de Tabatinga, Pará, é geógrafa e Mestre pela Universidade Federal do Amazonas, onde pesquisou sobre o território e a identidade de sua etnia. É também escritora, poeta, compositora, apresentadora, atriz e doutoranda em Letras, na Universidade Federal do Pará (UFPA). É, atualmente, ouvidora geral do Município de Belém, integrando o secretariado da atual prefeitura.

      Wayna Kambeba Márcia 0000-0002-5365-8565
      Barreto Junia 0000-0002-0212-9460
      Wormser Gérard 0000-0002-6651-1650
      Carta dos povos da floresta à sociedade não indígena em tempos de pandemia e violências
      Resistir em tempos pandêmicos
      Márcia Wayna Kambeba
      Département des littératures de langue française
      2104-3272
      Sens public 2022/11/24 Vozes indígenas, trilhas para renovar o Brasil
      O presente texto é uma carta destinado sobretudo à sociedade não indígena. Em tempos de pandemia, violência e genocídio, as suas palavras devem ecoar e encontrar novos interlocutores. Aliando sensibilidade poética a engajamento histórico-social, Márcia Wayna Kambeba nos apresenta um retrato necessário da situação da “Terra Mãe” no século XXI. Ela nos faz um convite a pensar a defesa do meio ambiente, os saberes indígenas e a necessidade de se repensar a narrativa de “progresso”.
      Le présent texte est une lettre adressée avant tout à la société non indigène. En période de pandémie, de violence et de génocide, ses mots doivent résonner et trouver de nouveaux interlocuteurs. Alliant sensibilité poétique et engagement historique et social, Márcia Wayna Kambeba nous présente un portrait nécessaire de la situation de la « Terre Mère » au XXIe siècle. Il nous invite à réfléchir à la défense de l’environnement, aux savoirs indigènes et à la nécessité de repenser ledit « progrès ».
      This text is a letter addressed primarily to non-indigenous society. In times of pandemic, violence and genocide, her words must resonate and find new interlocutors. Combining poetic sensitivity with historical and social commitment, Márcia Wayna Kambeba presents us with a necessary portrait of the situation of "Mother Earth" in the 21st century. It invites us to reflect on the defense of the environment, indigenous knowledge and the need to rethink the so-called "progress".
      Écologie http://catalogue.bnf.fr/ark:/12148/cb158291948 FRBNF15829194
      Brésil http://catalogue.bnf.fr/ark:/12148/cb119316758 FRBNF119316757
      Politique et société http://catalogue.bnf.fr/ark:/12148/cb11975806s FRBNF11975806
      Démocratie http://catalogue.bnf.fr/ark:/12148/cb133185567/ FRBNF13318556
      Lettre, Terre, Progrès, Environnement, Peuples indigènes
      Letter, Earth, Progress, Environment, Indigenous peoples